Estivemos nesse domingo na Festa do Vaqueiro no Povoado Várzea Queimada, em Jaicós – Piauí, onde sempre se reúnem pessoas de várias localidades de Jaicós e de outras cidades da região, a tradicional festa do Povoado do Vaqueiro daquela localidade possuem personagens que são históricos, e, até pelo simbologismo que representa aquela festa tipica da cultura Piauiense.
Um mudo roubava a cena antes da Celebração religiosa na Igreja do Povoado Várzea Queimada, ele queria de fato, era falar, e, celebrar a missa do Vaqueiro no dia de ontem, aquela cena do mudo à frente na igreja gesticulando como se estivesse fazendo uma ministração de uma cerimônia religiosa, fez recordar-me dos tempos de minha infância e adolescência quando íamos com a família a região, existiam muitos surdos naquela região. Foi então quando recordei que o Povoado de Várzea Queimada em Jaicós -Piauí, já havia sido tese de doutorado em Antropologia Social
Vamos aqui falar da Várzea Queimada, aquele povoado que foi tese de doutorado em Antropologia Social no ano de 2013, pelo Professor Everton Luis Pereira, Doutorando pela Universidade de Santa Catarina, que esteve em Jaicós – Piauí, no Povoado Várzea Queimada. Atualmente é professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB).
A comunidade Várzea Queimada que fica a 27 km do município de Jaicós, no Estado do Piauí, e possui cerca de 1.000 habitantes.
Em sua tese “FAZENDO CENA NA CIDADE DOS MUDOS”: SURDEZ, PRÁTICAS SOCIAIS E USO DA LÍNGUA EM UMA LOCALIDADE NO SERTÃO DO PIAUÍ, o Professor Everton descreve uma pequena localidade chamada Várzea Queimada,
localizada na zona rural de Jaicós, Piauí, integra da Tese: https://core.ac.uk/download/pdf/30387190.pdf.
Tendo em vista o alto índice de surdos e o surgimento de uma linguagem gesto-visual específica no vilarejo, o foco privilegiado para a discussão é a interação entre surdos e ouvintes na produção, circulação e manutenção da cena.
Em seu estudo o Professor Everton se debruça sobre aspectos da sociabilidade de Várzea Queimada que, nas interações cotidianas e nas rotinas de seus habitantes, transforma-a em uma comunidade de prática. A ideia de comunidade de prática, onde formas de fazer são compartilhadas pelos habitantes, é refinada com o processo ideológico que constrói diferentes hierarquias de pertencimentos entre os habitantes a partir do conceito de parente, núcleo familiar e família.
A organização geográfica da vila e a formação dos núcleos familiares também é fruto de um processo histórico onde indivíduos são marcados como fundamentais para a sua formação. A história geral se confunde com a história particular da surdez: elementos do macro processo de formação da vila auxiliam no contar sobre a origem da surdez. E também pontua elementos que transformam os mudos em sujeitos liminares, detentores de uma série de características.
O Professor Everton relata no inicio da sua tese que foi levado a Várzea Queimada porque em meados de novembro de 2008 teve acesso a uma reportagem, que segundo ele pode ser descrita como o “mito de origem” da sua tese de doutorado.
Ele lembra da reportagem com o título:
“Irmãs Calvarianas promovem o primeiro curso de LIBRAS em Várzea Queimada”, que expôs as questões que forem objetos de estudo em sua tese, como ele relata, a transcrição na íntegra da reportagem: “Curso de Libras em Várzea Queimada e Jaicós: “ O surdo ouve com os olhos e fala com as mãos” (Pe. Eugênio Oates). Esteve evento foi realizado nos dias 14 a 22 de outubro de 2008 na comunidade Várzea Queimada, município de Jaicós, Estado do Piauí, o primeiro módulo do Curso de Libras (Língua brasileira de sinais), que é o uso das mãos de maneira consciente, sistemática, “fluente’ para expressão da mesma variedade de significados que ocorrem numa língua falada. Ele relata que só na comunidade de Várzea Queimada existiam à época 36 surdos.
Ele relata o curso que foi promovido pelo Instituto Santa Teresinha – SP,sob direção das Irmãs Calvarianas, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do município de Jaicós, Prefeitura Municipal, comunidade Várzea Queimada e Paróquia Nossa Senhora das Mercês do mesmo Município. O evento foi ministrado por Neuza Martinho Venancino, (surda), instrutora de Língua de Sinais no Instituto Santa Teresinha (IST), formada em curso de libras pela FENEIS, curso do MEC e em Libras em contexto. Teve como intérprete a Diretora do IST, Ir. Marta Barbosa, calvariana, que há trinta e oito anos trabalha com muita dedicação e paixão na causa dos surdos. O projeto visa a capacitação dos professores em Língua de Sinais, e têm como destinatários os professores da rede municipal de educação, os surdos da comunidade, os familiares dos surdos, bem como pessoas interessadas a aprender Libras. O curso teve boa recepção em Várzea Queimada e na cidade de Jaicós e segundo as facilitadoras, Neuza e Ir. Marta esta realidade as tocou
profundamente, chegando a expressar: “levamos conosco o grito dos surdos de Várzea Queimada por uma Educação inclusiva e libertadora”. Eles diziam: “Queremos aprender a ler e a escrever como vocês”!
As mesmas continuam disponíveis para dar continuidade no trabalho com data a confirmar. Após a exposição de algumas fotografias das aulas do curso ministrado na comunidade, a reportagem é encerrada com a seguinte frase: “Os surdos da Várzea Queimada, pela primeira vez, tiveram conhecimento da língua de sinais”.
Segundo o Professor Everton a reportagem publicada no website da Diocese de Picos, http://www.diocesedepicos.org.br, pode ser traçada como uma espécie de marco fundador do estudo para sua tese de doutorado. Relata que a matéria abriu caminho à reflexão sobre o objeto principal à época que era uma análise da comunidade de Várzea Queimada, Jaicós zona sertaneja do Piauí, levando-se em consideração os elementos expressos na sociabilidade da comunidade, percebidos por meio de suas práticas, sua história, as experiências de sua população, e os processos de identificação entre os comunitários.
Ontem observamos no Povoado Várzea Queimada muito além da beleza e do simbologismo da Festa do Vaqueiro, que é uma expressão da cultura local e da cultura Piauiense, como diria o folclorista e entusiasta cultural Noé Mendes, natural de Simplício Mendes que foi Professor, folclorista, vereador da cidade de Teresina e entusiasta cultural, que faleceu aos 40 anos de idade em 1980.
Muito além das várias autoridades, Deputados, Prefeitos, Vereadores, lideranças politicas e demais populares que marcaram presença e prestigiaram a Festa do Vaqueiro de Várzea Queimada, aquele mudo que se impôs a frente da pequena igreja do Povoado Várzea Queimada faz parte da expressão cultural, social e histórica daquela localidade que historicamente sempre teve um grande número de mudos.
A Várzea Queimada além da Festa do Vaqueiro e do Artesanato, o mudo foi o destaque naquele momento simbiótico na igreja em que eu quase tivesse certeza que o mudo queria de fato algo falar e nos abrilhantar com suas palavras.
A Várzea Queimada hoje já é mais famoso do Projeto “A Gente Transforma Várzea Queimada”, que foi objeto de documentário, o Projeto de Artesanato, com o apoio do Marcelo Rosenbaum, leva o Povoado a ser conhecido no mundo valorizando o patrimônio cultural de Várzea Queimada, o documentário busca a finalidade de valorizar, preservar, registrar e difundir o patrimônio cultural imaterial da região, e sua relevância para a memória e identidade nacional, levando-se em consideração a transformação social e cultural de das tradições nordestinas e piauienses existentes naquela comunidade.
Voltando a Festa do Vaqueiro de Várzea Queimada é preciso lembrar dos muitos vaqueiros e personagens históricos que existiam naquela região nos tempos antigos, vaqueiros históricos que trabalhavam correndo atrás dos rebanhos na região, pois, em decorrência da seca e da caatinga que castigava o sertão piauiense a nossa tradição sempre foi criar os animais e rebanhos soltos na caatinga.
A Festa do Vaqueiro de Várzea Queimada é falar de João da Cruz Barbosa, um dos fundadores do povoado Várzea Queimada, que nasceu em 24 de março de 1940 no Povoado Várzea, filho de Manoel Sebastião Barbosa e Maria Rosa da Paixão, e faleceu ano passado aos dias 23 de junho de 2018.
Na pessoa de quem homenageamos a todos os vaqueiros de Várzea Queimada a região, o vaqueiro um simbolo da expressão cultural da nossa regão, da nossa história e da nossa gente, aos vivos e aqueles que já partiram e nos deixaram saudades pelos seus feitos ao longo de suas existências.
A Festa do Vaqueiro de Várzea Queimada de 2019 que aconteceu nesse final, dias 17 e 18 de agosto nos leva a constatar o quanto nossas tradições culturais locais não são preservadas adequadamente, até nosso folclore e nossa cultura é objeto de politicagem.
A Cidade de Jaicós precisa investir mais na valorização de nossa história e de nossas tradições e expressões culturais locais, nos englobando no contexto da cultura piauiense, nordestina e brasileira, Jaicós precisa de investimentos em um museu para preservar a sua história e as expressões culturais do seu povo, são quase 200 anos de história, e, muitos acontecimentos e festas folclóricas que são expressões culturais da nossa gente.
Uma coisa reflito aqui sobre a Festa do Vaqueiro de Várzea Queimada, não basta promover a Festa do Vaqueiro todo ano, é preciso preservar, sua história, sua cultura, sua gente e valorizar aquela gente o ano inteiro, inclusive quanto as expressões culturais e suas singularidades, que necessitam de mais apoio para preservação da sua identidade e valorização do seu povo, entre eles a próprio dos mudos do Povoado Várzea Queimada em Jaicós – Piauí.