Após intensa mobilização nas redes sociais de igrejas, católicas e evangélicas, e grupos autoproclamados progressistas, a eleição para representantes dos Conselhos Tutelares teve crescimento de participação em São Paulo, Rio e Brasília,
Na capital fluminense, o pleito desse domingo, 6, reuniu o dobro de votantes e, na capital paulista, a alta foi de 27%.
No Distrito Federal, a elevação foi de 17%. Mas a taxa de adesão ainda é baixa, uma vez que todos os eleitores com mais de 16 anos podem votar para representantes desses órgão, que cuidam dos direitos das crianças e adolescentes.
Em São Paulo, votaram quase 145 mil eleitores (em um universo de mais de 9 milhões de aptos a votar), ante 113,8 mil no pleito anterior, de 2016. A participação não é obrigatória. O balanço deste ano contempla 49 das 52 regiões da cidade, uma vez que as votações em Pinheiros (zona oeste), Pirituba (norte) e Lajeado (leste) foram canceladas por problemas técnicos, como falhas nas urnas ou falta de mesários. No total, foram 1.487 candidatos para 260 vagas em disputa.
O conselheiro tem mandato de quatro anos e salário de cerca de R$ 2853 (pagos pela Prefeitura). Esses órgãos integram a estrutura da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, mas têm atuação autônoma. No País, 30 mil conselheiros serão indicados para os 5.956 conselhos ativos.
Na últimas semanas, grupos ligados aos movimentos sociais e partidos de esquerda começaram uma ação nas redes sociais, incentivando a votação de candidatos não ligados a grupos religiosos. A atitude foi uma reação aos neo-pentecostais, principalmente ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, que estavam mobilizados para apoiar candidatos evangélicos (uma lista de “conselheiros do bem” chegou a ficar disponível na internet – mas saiu do ar tão logo a eleição terminou). O bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, dom Devair Araújo da Fonseca, também publicou carta estimulando a participação dos católicos, alertando para a frequência maior de evangélicos nesses colegiados.
Nessa segunda, listas com nomes progressistas circularam em grupos de WhatsApp (a maioria delas tendo como base uma relação publicada pela site das lideranças do PT na Câmara Municipal). Dos 245 conselheiros eleitos até agora (faltam 15 cadeiras), 121 apareceram nesta lista. O que significa que outros 124 estariam do outro lado do espectro ideológico. Ou seja, praticamente um empate. A assessoria da Igreja Universal foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou sobre o tema. A Arquidiocese não encontrada para comentar os resultados.
“Apesar do comparecimento maior. Não tem muito o que se comemorar. O processo continua mal divulgado. Foi a polarização e os próprios candidatos que levaram mais pessoas para votar. Tem muita coisa nesse processo que precisa ser melhorada, como o controle de quem pode ou não ser candidato”, avalia Marcelo Nascimento, presidente da Associação Paulistana de Conselheiros e Ex-Conselheiros Tutelares.
“A pessoa eleita precisa atuar para garantir a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Não para defender interesses de igreja, partidos, movimentos ou gabinetes. O Conselho Tutelar não pode ser um espaço para disputa de narrativas”, diz ele, que é professor de Direitos Humanos e já foi integrante de conselho.
Para o advogado Ariel De Castro Alves, do Conselho Estadual de Direitos Humanos, esse equilíbrio de forças em São Paulo, se confirmado, pode levar a paralisações e disputas políticas. Cada conselho tutelar é formado por 5 membros. Ele deve atuar como órgão colegiado. Com isso, exceto nos atendimentos urgentes e nas emergências, as decisões sobre os encaminhamentos devem ser discutidas e decididas coletivamente.
“Disputas em alguns conselhos, entre conservadores e progressistas, governistas e oposicionistas, podem colocar os direitos das crianças e adolescentes em sérios riscos,” comentou Alves. “A eleição deste ano ganhou ares de prévia da próxima corrida eleitoral para as prefeituras e câmaras municipais. O problema é que quando a disputa política eleitoral, partidária e religiosa fica acirrada, a defesa, garantia e proteção dos direitos da criança e do adolescente ficam em segundo plano.”
Entre as funções do conselho estão a de atender e aconselhar os pais ou responsável pelas crianças e adolescentes; e requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança para crianças e adolescentes.
Apesar do “equilíbrio ideológico”, Alves enxerga avanço de grupos conservadores nos últimos anos. “Em geral, os Conselhos Tutelares foram redutos de setores da esquerda e das pastorais da igreja católica durante duas décadas, entre 1990 e 2010. Depois os grupos conservadores e de igrejas neo-pentecostais passaram a participar mais efetivamente dos processos eleitorais, priorizando seus candidatos. Essa eleição significou a maior expressão desses grupos conservadores de todas as eleições para os conselhos tutelares.”
Pleito no Rio teve suspeita de envolvimento de milicianos
No Rio, além de refletir a polarização, a disputa teve suspeita de participação de milicianos, que estariam comprando votos com cestas básicas, e foi travada basicamente pela internet. Ao longo do processo eleitoral, houve mais de 300 denúncias. Apenas no domingo, o Ministério Público fluminense recebeu 113 registros – 58 na capital e 55 no interior. Por supostas irregularidades, oito candidaturas foram impugnadas pela promotoria ainda no dia do pleito.
Os 190 eleitos para os 19 conselhos tutelares do município do Rio serão conhecidos nesta terça-feira, 8, quando o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente divulgará a lista provisória de eleitos. Mas o resultado ainda estará sujeito a novas impugnações pela Promotoria.
Em Curitiba, as eleições para o Conselho Tutelar foram anuladas após denúncias de irregularidades, que incluem fotos trocadas de candidatos, problemas nas urnas de votação e até propaganda em cultos religiosos. Mais quatro cidades do Paraná tiveram o processo suspenso.
Fonte: Terra.